Regionalização ganha novas regras com decreto 11.599

A entidade de governança regional passa a ser considerada a partir da apresentação de seu regimento interno aprovado

Marcelo Casal Jr./Agência Brasil
Marcelo Casal Jr./Agência Brasil

Aprovado em julho de 2023, o decreto 11.599/23 regulamenta o art. 13 da Lei nº 14.026/ 2020 sobre a prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico, o apoio técnico e financeiro e o art. 50 da Lei nº 11.445/2007 sobre a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou geridos ou operados por órgãos ou entidades da União. Ele revoga o decreto 11.467 de 5 de abril de 2023 que por sua vez revogou o decreto original n° 10.588/2020.

Veja a seguir o que há de novidade no texto e o que foi retirado

Regras para regionalização

Novos prazos

Foi estabelecida a data de 31 de dezembro de 2025 para a estruturação da prestação regionalizada; a adesão dos titulares à regionalização; e a constituição da entidade de governança interfederativa.

Exceções para a aplicação do prazo foram feitas a municípios que não precisam se regionalizar, mas estarão aptos a acessar os recursos.

Estes incluem municípios em que a prestação dos serviços se dá pela companhia estadual de saneamento por meio de contratos de programa regulares em vigor (firmados antes da data do decreto) e que comprovaram a capacidade econômico-financeira

Também incluem municípios em que a prestação se dá  por meio de contratos de concessão ou de parcerias público-privadas precedidos de licitação, firmados anteriormente da data de publicação do decreto ou que iniciaram processos de concessão ou PPP (já tenha sido licitada, ou submetida à consulta pública ou que seja objeto de estudos já contratados pelas instituições financeiras federais).

Instâncias de governança regionais 

Foi definido que será considerada criada a entidade de governança regional a partir da apresentação de seu regimento interno aprovado, ou de um instrumento equivalente. O decreto manteve o prazo de 180 dias (após lei estadual de criação das unidades regionais ou resolução federal para criação de blocos de referência) para adesão ou não dos municípios e a instituição de fato das novas instâncias de governança. O texto ainda define que mesmo após o fim desse prazo, quando as exigências forem cumpridas, será considerado atendido o condicionante para fins de alocação de recursos federais.

Destaca-se ainda uma nova exigência que foi incorporada ao decreto: quando a prestação regionalizada envolver populações rurais, originárias e tradicionais as instâncias de governança regionais deverão abarcar outras instâncias de governanças criadas para a gestão do saneamento nessas áreas – com direito a voto.

Adesão de municípios à prestação regional

Em uma novidade trazida pelo decreto, que não consta das leis estaduais de regionalização já aprovadas, um município integrante de um arranjo regional de saneamento que já tenha atingido as metas de universalização de 2033 (independente da forma de prestação) pode decidir (independente do colegiado regional) se quer ou não aderir a uma prestação regional. 

Município com prestação isolada em regiões de saneamento

A prestação direta dos serviços em um município, feita por autarquia, empresa municipal ou órgão ligado à administração municipal, e no caso do município integrar uma região de saneamento, tem alguns condicionantes. Estes podem ser resumidos em dois tipos: prestações diretas que se dão há mais de 10 anos e novas prestações diretas, que é quando um município quer retomar a prestação antes delegada para se tornar direta.

O decreto define que a decisão pela prestação direta em um município deve passar pela deliberação da entidade de governança interfederativa criada para a região de saneamento. A novidade é que se condicionou também que tal possibilidade deve constar em lei estadual.

Esse acréscimo não representa grande impacto para prestações diretas já consolidadas, uma vez que no caso das leis estaduais que instituíram as microrregiões de saneamento ou água e esgoto, a quase totalidade delas prevê a possibilidade de manutenção da prestação direta, desde que autorizado pelo colegiado interfederativo. Definem também que a unificação dos serviços em municípios que possuem entidade ou órgão prestador de serviços públicos de saneamento básico há pelo menos dez anos dependerá da aquiescência expressa do município, por meio de manifestação inequívoca de seu representante no Colegiado Microrregional (exemplo da lei aprovada na Bahia – LC n°48/2019).

No entanto, se por acaso o titular decidir, isoladamente, retomar os serviços de forma direta, a nova redação dificulta o processo, pois não basta haver uma decisão do colegiado regional. Deverá ser incluída essa possibilidade nas leis estaduais, o que a maior parte delas não contempla hoje. Esse ponto poderá ser inclusive judicializado por associações de empresas municipais.

Municípios com contratos irregulares

Os municípios com contratos irregulares (1.113, segundo governo federal) poderão ter acesso a recursos federais desde que assumam o compromisso de comprovar a regularização da prestação do serviço até 31 de dezembro de 2025. Em caso de descumprimento do prazo, o titular do serviços deverá ressarcir os recursos públicos federais com os quais tenha sido beneficiado. O decreto 11.030 que alterou o 10.588 (ambos revogados) já trazia a data 31/03/2025 para a substituição dos contratos irregulares por contratos de concessão, mas definia uma passo a passo (regionalização, concessão regional, licitação …) que foi retirado deixando a critério dos municípios a solução. 

Incentivo à regulação dos serviços 

O decreto avançou ao colocar o prazo de 31 de dezembro de 2025 para que o titular (município ou entidade regional) delegue a função de regulação da prestação dos serviços públicos a uma entidade de regulação intramunicipal (que pode ser uma agência municipal, regional, estadual). Tal exigência consta na Lei 11.445/07, mas sem uma data limite. Busca-se assim incentivar uma função importante na gestão dos serviços públicos, mas que muitos municípios, principalmente pequenos e com prestação direta (sem contratos) ainda  não fizeram. 

Novo prazo para planos de saneamento

O decreto prorroga mais uma vez o prazo para que os municípios, ou agora as regiões de saneamento, publiquem seus planos de saneamento básico. A nova data é de 31/12/2024 (a anterior era dezembro de 2023) e o cumprimento da mesma é condição para o município ter acesso a recursos federais.

PPPs e subdelegações 

A nova redação do decreto coloca fim a uma “trava” que vinha incomodando o setor desde a edição do primeiro decreto de 2020 (10.588). Retirou-se do texto o limite de 25% do valor total de um contrato para que o prestador pudesse fazer uma nova contratação via PPP (parceria Público- Privada). Grandes PPPs têm acontecido no setor a exemplo da PPP de esgoto feita pela CAGECE em 2022 (com modelagem do BNDES) para municípios de duas regiões metropolitanas do Estado.  

Outorga nos processos de concessão

Por meio do artigo 16, o decreto busca desincentivar o critério de maior valor de outorga nos processos de concessão dos serviços públicos, ou seja o maior valor que os concorrentes estão dispostos a pagar para conseguir vencer um leilão (montante de recurso que muitas vezes entra no caixa comum das prefeituras e do estado sem necessariamente ser usado no saneamento básico). Busca-se incentivar leilões que usem como critério a menor tarifa ou a antecipação da universalização. O incentivo acontece pela possibilidade de acesso a recursos federais nesses locais. 

Normas de referência para a regulação

O decreto inclui um novo capítulo sobre Normas de Referência para a prestação dos serviços e define que, ao editar as normas, a ANA (Agência Nacional das Águas) deverá: 

– observar as diretrizes da política federal de saneamento básico, inclusive aquelas estabelecidas pelo Ministério das Cidades. 

– considerar as diferenças socioeconômicas regionais; 

– limitar-se ao mínimo necessário para que se atinja a finalidade de padronização;

– definir prazo razoável para que as entidades reguladoras infranacionais incorporem as normas de referência em seu arcabouço regulatório, o qual não poderá ser inferior a doze meses a partir da publicação das respectivas normas de referência.

O decreto ainda detalha que as normas de referência editadas pela ANA terão incidência sobre as relações jurídicas estabelecidas entre titulares, prestadores e usuários dos serviços de saneamento somente após a incorporação pelas respectivas entidades reguladoras infranacionais em seu arcabouço regulatório. As normas já publicadas e as que se encontram em elaboração deverão ser adequadas aos termos do disposto no decreto.

O que foi retirado

O decreto de abril definia que para um município integrante de microrregião, aglomeração urbana ou região metropolitana, passar a ter a prestação dos serviços de água e esgoto feita por uma Companhia Estadual de Saneamento (CESBs) bastaria uma autorização do colegiado regional. E que essa prestação não se caracterizaria mais como a um contrato de programa (a Lei 14.026/2020 proibiu novos contratos de programa), mas sim como uma prestação direta (feita por um dos membros do colegiado regional, no caso o governo do Estado). Como condicionantes trazia a anuência da agência reguladora e a comprovação da capacidade econômico-financeira do prestador. Considerado polêmico, o texto foi retirado. 

Há uma disputa de interpretações sobre o que diz a Constituição Federal e o que traz o Marco Legal do saneamento sobre a caracterização de uma prestação direta, considerando-se agora o modelo de titularidade compartilhada. O contexto ainda traz o debate sobre o que pode ser regulamentado ou não por meio de um decreto federal. Alguns atores reivindicam que o decreto estava alterando conteúdos da Lei, o que seria inconstitucional.

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