Passado um ano desse acontecimento, o IAS examina diferentes aspectos e desdobramentos da Sabesp privatizada, incluindo a venda das ações, o arranjo de gestão, a tarifa social, a universalização e o saneamento rural
12 ago 2025

Em 23 de julho de 2024, a Sabesp, maior empresa pública de água e saneamento do país, teve seu controle passado do governo estadual para a iniciativa privada, concluindo um processo de privatização marcado por pressa e controvérsia.
Passado um ano desse acontecimento, o IAS examina diferentes aspectos e desdobramentos da Sabesp privatizada, incluindo a venda das ações, o arranjo de gestão, a tarifa social, a universalização e o saneamento rural.
A venda das ações
Antes uma empresa de economia mista, a Sabesp teve 32% de suas ações vendidas pelo valor de R$ 14,7 bilhões. Sem enfrentar concorrência, a Equatorial Energia adquiriu 15% das ações (por R$ 6,9 bilhões), tornando-se a empresa investidora de referência. Outros 17% dos papéis ficaram com pessoas físicas, jurídicas e funcionários da Companhia, ao preço de R$ 67,00 por ação. A participação do governo paulista ficou em 18,3%.
A empresa passou a ser comandada pela acionista de referência, no caso a Equatorial, que indicou o CEO da empresa e é responsável pela gestão. No acordo firmado, o governo do estado de São Paulo pode vetar algumas decisões, como mudanças no nome da empresa, objeto social, entre outras.
Em seu site, a Equatorial Energia se descreve como holding que atua nos segmentos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, saneamento básico e telecomunicações. Antes da compra da Sabesp, no entanto, a única iniciativa de saneamento operada pela empresa era a CSA, operadora do Amapá cuja concessão a Equatorial arrematou em 2021.
Uma das mudanças trazidas pela privatização da Sabesp foi o aumento da distribuição de lucro para os acionistas. Até 2024, a distribuição de dividendos era de 25% do lucro líquido. Em 2026 e 2027 será de 50%, podendo chegar a 75% em 2028 e 2029 e a 100% a partir de 2030. Há, no entanto, um critério para essa conta: o Fator U (universalização), que é um indicador de cumprimento das metas e para reajuste tarifário. Quanto menor o Fator U, maior será a distribuição de dividendos, com um limite máximo de distribuição quando o Fator U for zero.
O arranjo de gestão
A desestatização foi a culminação de um processo iniciado em julho de 2021, quando o então governador de São Paulo, João Doria, sancionou a lei de regionalização do saneamento no estado (Lei nº 17.383/2021). De acordo com a revisão do Marco Legal de 2020, os estados devem aprovar leis que agrupam seus municípios em blocos, que passam a ter uma gestão compartilhada da prestação dos serviços de água e esgotamento sanitário.
Entre os dois principais modelos de regionalização possibilitados pela revisão do Marco Legal de Saneamento, o estado de São Paulo optou pelo das Unidades Regionais (em que a adesão dos municípios é voluntária).
Os 375 municípios atendidos pela Sabesp foram agrupados em uma única região: a Urae 1 – Sudeste. Eles representam 70% da população do Estado. A maioria dos municípios aderiu ainda em 2021. Já o município de São Paulo, responsável por quase 50% da receita da prestadora, só se juntou em setembro de 2023 (após novo decreto estadual que prorrogou o prazo de adesões) e aprovação na câmara municipal.
Em maio de 2024, foi criada a nova instância regional da Urae 1 (com 371 municípios, quatro não quiseram aderir), aprovado o Plano Regional de Saneamento e assinado um novo e único contrato para a prestação dos serviços de água e esgoto entre a Urae 1 e a Sabesp, substituindo os contratos que cada município tinha com a empresa. O horizonte contratual chega até o ano 2060.
A Urae 1 conta com um Conselho Deliberativo, um órgão colegiado composto por representantes do Estado de São Paulo, dos Municípios e de entidades da sociedade civil. No novo modelo pós privatização, o conselho de administração da Sabesp é composto por nove membros, sendo três indicados pelo Governo de São Paulo, três indicados pela Equatorial e três conselheiros independentes.
A regulação do novo contrato é feita pela Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo), com mudanças no formato de fiscalização e de definição de tarifas, que passa a ser anual, com base nos investimentos realizados. Antes a definição da tarifa era prévia, considerando um plano de negócios para quatro anos de operação. Para a análise dos investimentos, no novo formato, a Sabesp contrata um verificador independente que é o responsável por passar as informações para a Arsesp.
Poucos meses depois da privatização, em setembro de 2024, foi aprovada a lei complementar nº 1.413, e depois em 2025 seu decreto regulamentador com novas regras para o funcionamento das agências reguladoras estaduais, entre elas a Arsesp. A lei também transforma o Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee) em Agência de Águas do Estado de São Paulo (SP Águas). O novo órgão passa a ser responsável pela gestão e fiscalização dos recursos hídricos no estado de São Paulo.
A tarifa social
Recentemente, em julho, entrou em vigor o programa de Tarifa Social Paulista para os municípios servidos pela Sabesp. A iniciativa, que foi aprovada pela Urae por alterar definições do contrato com a Sabesp, ampliou as regras para enquadramento nas categorias tarifa social, incluindo um maior número de famílias, mas essa inclusão tem uma duração pré-determinada de dois anos.
Com base na Lei Federal 14.898/2024, que traz parâmetros mínimos para garantir o direito à tarifa social da população de mais baixa renda, em agosto de 2024 a Arsesp aprovou a Deliberação 1.544 que definiu procedimentos e valores dos descontos nas tarifas e que serviu de base para o novo contrato da Sabesp. Os descontos propostos são maiores que os 50% mínimos definidos na Lei Federal.
No contrato o benefício contempla duas categorias: Vulnerável, com 78% de desconto para famílias cadastradas no CadÚnico ou Benefício de Prestação Continuada (BPC) com renda per capita de até um quarto do salário mínimo; e Social I, com 72% de desconto para famílias com renda per capita de meio salário mínimo cadastradas no CadÚnico ou BPC.
Uma terceira categoria foi adicionada, incluindo no benefício mais 748 mil famílias (equivalente a 2,2 milhões de pessoas), de acordo com a Semil (Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística). Na Social II, são elegíveis famílias que residem em núcleos urbanos informais passíveis de regularização. As pessoas contarão com 50% de desconto aplicável ao consumo de até 15 m³, por 24 meses contados a partir da data da ligação à rede.
Esse critério territorial era usado por programas da Sabesp antes da privatização, como o Programa Água Legal, então é uma adequação para famílias que já pagavam uma tarifa menor, mas que por diferentes motivos, não se enquadram nos critérios de renda e de inscrição no CadÚnico.
Parte dos recursos para subsidiar a tarifa social vem do Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento (Fausp), criado pelo Governo do Estado com recursos de 30% da venda das ações.

A universalização
Em 22 de julho, a Sabesp divulgou (em seu site e em um comunicado de Fato Relevante) números expressivos de expansão do atendimento que teriam sido alcançados no primeiro ano da privatização.
Segundo a Sabesp, cerca de 485 mil domicílios, as chamadas “novas economias” (1,32 milhão de pessoas), passaram a receber água potável; quase 504 mil novas economias (1,37 milhão de pessoas) foram conectadas à coleta de esgoto; e cerca de 524 mil novas economias (equivalente a 1,42 milhão de pessoas) passaram a contar com tratamento de esgoto. O balanço de um ano inclui também que foram construídos 874 km de novas redes (sendo 307 km de rede de esgoto e 567 km de rede de água).
Apesar dos números serem de grande monta, eles são apresentados de forma geral, sem ser possível identificar onde se concentram os investimentos (a região, o município, os bairros), se foram em assentamentos informais como as favelas e comunidades urbanas, se foram apenas em áreas urbanas ou também nas áreas rurais l, se representam a expansão da rede com novas ligações ou dizem respeito a áreas com a infraestrutura de redes já instalada.
Entre as justificativas para a privatização da Sabesp estava a antecipação, para 2029, do cumprimento das metas de universalização do Marco Legal (contra 2033 previsto na legislação), as metas sendo 99% da população com acesso à água potável e 90% com acesso a esgotamento sanitário (coleta e tratamento).
No novo contrato da Sabesp, estima-se um valor de investimento de R$ 260 bilhões, até 2060, sendo R$ 68 bilhões até o ano de 2029 com objetivo de atender às metas de universalização. O cronograma de investimentos para todo o período da concessão pode ser revisto a cada cinco anos. No primeiro ano de privatização, a empresa disse que investiu R$ 35 bilhões, mais da metade.
O contrato inclui como área de abrangência o atendimento a áreas informais (definidas como áreas “atendíveis” no contrato, ou seja, passíveis de regularização fundiária urbana) e áreas rurais que antes não faziam parte da maioria dos contratos com a empresa.
Segundo o Sinisa (sistema de informações oficial para onde prestadores tem que enviar informações anualmente), com o ano base de 2023, os municípios atendidos pela Sabesp representam uma população total de mais de 30,2 milhões de habitantes.
Desse total, cerca de 29 milhões eram atendidos com rede de abastecimento de água; o outro 1,2 milhão de habitantes representavam o déficit de atendimento (entre eles, estão os que possuíam soluções alternativas, como poços, principalmente em áreas rurais). Em relação ao esgotamento sanitário, os dados de 2023 informam que 27 milhões de pessoas estavam conectadas à rede coletora de esgoto e 2,7 milhões representavam o déficit de atendimento (incluindo usuários de soluções alternativas como fossas sépticas, principalmente em áreas rurais).
Ou seja, a partir dos dados divulgados pela Sabesp, o atendimento por rede de abastecimento de água e o atendimento por coleta de esgotos já estariam universalizados, ou seja, 100% atendidos com água e 96% atendidos com rede de esgoto. No entanto, o número de economias não pode ser confundido com a expansão da rede e novas ligações.
O número de novas economias conectadas, neste primeiro ano, pode ter atendido parte desse déficit (embora isso não seja destacado pela empresa em suas publicações), mas inclui também as novas unidades de moradia lançadas pelo aquecido mercado imobiliário das grandes cidades paulistas. Cada novo empreendimento (principalmente os verticalizados) resulta em muitas novas economias, além de estarem localizados em bairros em que já existem redes de água e esgoto passando nas ruas.
Em artigo recente para o site Outras Palavras, o engenheiro Amauri Pollachi (que já ocupou diversos cargos na Sabesp) trouxe outros pontos para análise. Segundo o especialista, é preciso entender se os números consideram a aplicação da tarifa de disponibilidade, que começou a ser cobrada no início de junho. A tarifa de disponibilidade é um valor cobrado para imóveis que possuem rede de esgoto disponível em suas proximidades, mas que não estão ligados à ela. Os motivos podem ser vários: outras soluções individuais, impossibilidade física de conexão (a casa está mais baixa que a rede e necessita bombear seu esgoto) ou receio do aumento da conta de água e esgoto.
A cobrança da tarifa está autorizada e incentivada pelo Marco Legal do Saneamento, e visa estimular a ligação à rede e ao tratamento do esgoto. De acordo com o que divulgou a empresa em abril de 2025, a taxa passa a ser aplicada para cerca de 4% das ligações, o que representa 354 mil imóveis que têm rede coletora na porta e não estão ligados a ela.
Os dados não permitem dizer se tais imóveis foram ou não contabilizados no balanço da Sabesp. Se sim, representam mais de 50% do que foi considerado como novas economias ligadas à rede de esgoto, mesmo que exista um prazo para a real conexão.
O contrato da Sabesp definiu critérios diferentes para a medição das metas de universalização por ano: até o fim de 2026, os dados serão passados conforme visto em 2025, ou seja, considerando toda a Urae 1 e a partir da contabilização de novas economias. Em 2027, o dado será observado por município e por meta de cobertura. Apenas a partir de 2028 é que se poderá ver o dado por município e por recorte territorial (urbano formal, informal e rural).
O saneamento rural
Outro dado que aparece de maneira quase sempre aproximada em estudos e estimativas de investimentos se refere ao saneamento rural. Com as informações disponíveis, não é possível saber com clareza sobre a adequação das soluções empregadas, a demanda por investimentos e a população a ser atendida.
A previsão da Sabesp é alcançar cerca de 821 mil domicílios espalhados pelos 371 municípios. Para melhorar os dados que tem à disposição, a Sabesp deu início em julho deste ano a um Censo de Saneamento Rural que tem previsão de ser concluído em julho de 2026. A iniciativa piloto, intitulada Projeto Brotar, foi lançada na cidade de Piratininga.
Ainda sobre o saneamento rural e áreas irregulares, foi feita entre julho e agosto de 2025 uma Consulta Pública nº. 06/2025 pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) para estabelecer soluções alternativas individuais ou coletivas, tanto para áreas rurais como para regiões urbanas em que o uso de redes é desfavorável ou tem um custo muito elevado frente a outras soluções.
A agência reguladora é a responsável por definir as soluções alternativas aceitáveis para fins de contabilização das metas de universalização (definida na Lei Federal 11.445/2007 e alterações).
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