Cinco anos da mudança do Marco Legal: como a lei transformou o setor de saneamento
14 jul 2025
A lei 14.026 estabeleceu metas de universalização de atendimento para 2033, definiu novos modelos de arranjo regional e incentivou a entrada da iniciativa privada no mercado de prestação de água e esgotamento sanitário
14 jul 2025

Há exatos cinco anos, o Congresso Nacional aprovava uma lei que mudaria significativamente o setor de saneamento no país. A lei 14.026/2020, revisão do Marco Legal de 2007 (Lei 11445/2007), estabeleceu metas de universalização de atendimento para 2033, definiu novos modelos de arranjo regional e incentivou a entrada da iniciativa privada no mercado de prestação de água e esgotamento sanitário.
Passados cinco anos, a legislação segue em consolidação nos estados e municípios. Com os novos formatos de gestão regionalizada, a titularidade passou a ser compartilhada entre estados e municípios, fazendo com que os municípios perdessem o protagonismo. Além disso, o avanço das concessões, privatizações e PPPs vem resultando em mudanças no perfil dos prestadores de serviços.
Por outro lado, as mudanças ainda não se refletem nos indicadores de acesso aos serviços, lançando incerteza em relação ao cumprimento das metas para 2033: 99% da população com água potável e de 90% com coleta e tratamento de esgotos. A rede de água atende 83,1% da população brasileira e a rede de esgoto atende 59,7% da população, de acordo com dados do Snis/Sinisa.
Desde sua criação, o IAS tem como um de seus principais focos o acompanhamento da lei que mudou o Marco Legal de 2007 e de seus desdobramentos pelo país. É um trabalho contínuo que gerou conteúdos aprofundados sobre o tema, incluindo a ferramenta Observatório do Marco Legal, parte de nosso site, e relatórios anuais sobre os rumos do setor, como Saneamento 2021, com sua leitura detalhada da lei 14/026, e o novo Tabuleiro do Saneamento Básico 2025, que acabamos de publicar e traz dados e informações sobre arranjos regionais, acesso aos serviços, regionalização, concessões, privatizações e PPPs.
Nesse sentido, o Instituto também trabalha nos eixos de articulação e debate. Em 2 de julho, realizou em parceria com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o seminário “5 Anos da Mudança no Marco Legal do Saneamento Básico: Perspectivas da Universalização?”.
Neste 15 de julho, data que marca o 5º aniversário da aprovação da lei 14.026/2020, o IAS aproveita para repassar o histórico em torno do Marco Legal e resumir seus efeitos.
Histórico do Marco Legal
2007
Aprovado o Marco Legal do Saneamento (lei 11.445/2007), que define diretrizes nacionais para o setor e a Política Federal de Saneamento Básico. Estabelece o saneamento básico como tendo quatro elementos: água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de resíduos sólidos. A legislação obrigava o poder público a prestar serviços de saneamento que fossem planejados, regulados, fiscalizados e submetidos ao controle social.
2010
O decreto nº 7217, que regulamenta o Marco Legal de 2007, é assinado, estabelecendo regras e procedimentos para entes federativos e prestadores de serviços.
2013
Publicação do Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico), documento norteador das ações para a área. O documento traz um panorama da situação nacional, metas, indicadores e estimativas de investimentos.
2019
- Lançamento do Plano Nacional de Saneamento Rural, com o objetivo de atender quase 40 milhões de pessoas nas áreas rurais do país até 2038.
- ANA e Ministério do Desenvolvimento Regional lançam o Plano Nacional de Segurança Hídrica (PNSH).
2020
Aprovação da lei nº 14.026/2020 que revisa o Marco Legal do Saneamento
2021
Publicação do Decreto 10.710, que estabelece a metodologia para comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços públicos de abastecimento de água potável ou de esgotamento sanitário.
2023
Decretos do governo federal 11.598/2023 e 11.599/2023 organizam conceitos, ampliam prazos e revisam metodologias de comprovação de capacidade econômico-financeira.
2024
Entra em vigor a lei nº 14.898, que institui a Tarifa Social de água e esgoto. O benefício contempla usuários com renda per capita de até meio salário-mínimo que pertençam a família de baixa renda inscrita no CadÚnico ou que pertençam a família que receba o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
2025
Lançamento do Sinisa (Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico).

Marco Legal: os eixos que estruturam a lei
Universalização
A lei 14.026/2020 estabelece como meta a universalização de atendimento de 99% da população com água potável e de 90% com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033. O Marco Legal de 2007 já definia o princípio da universalização, assim como o Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico). A inscrição de uma data específica como meta é um dispositivo pouco usual em peças de legislação. Todos os contratos de prestação de serviços demandam comprovação da capacidade econômico-financeira para viabilizar a meta de 2033. Zonas rurais e assentamentos urbanos precários constituem os maiores desafios da universalização.
Uniformização Regulatória
Por meio de normas de referência nacionais para serem usadas pelas agências reguladoras (locais, regionais ou estaduais), o Marco Legal padronizou o arcabouço regulatório. A ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) ficou responsável por coordenar a uniformização da regulação do setor e a divulgação de melhores práticas. A segurança jurídica e redução de riscos resultantes foram importantes para estimular investimentos públicos e privados. A estrutura atual da ANA, no entanto, tem se mostrado insuficiente para dar conta dessas novas atribuições institucionais.
Regionalização
A prestação de serviços de água e esgotamento sanitário para blocos que englobam mais de um município é um componente novo fundamental do Marco Legal revisado. A viabilidade técnica e econômica dos serviços trazida pelo ganha de escala na prestação e a possibilidade de cruzar subsídios entre municípios com superávit e municípios mais precarizados estão entre as justificativas para o modelo. Para tanto, a lei oferece diferentes arranjos de regionalização: além da municipal, a titularidade da gestão pode ser compartilhada (regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões). Há ainda a opção de gestão associada (proposta na lei como unidades regionais de saneamento básico e blocos de referência).
Incentivo à prestação privada
Concessões ou parcerias público-privadas (PPPs), além da proibição de novos “contratos de programas” (modalidade de contrato feito diretamente entre as empresas públicas estaduais e os municípios) são instrumentos da legislação que têm o objetivo de fomentar a prestação de serviços de saneamento básico por agentes privados. Também exige capacidade econômico-financeira dos operadores e metas de atendimento para os contratos vigentes e novos, com base em uma metodologia definida por decreto, de forma pouco transparente e sem participação social.
Conceitos que o Marco deixou de fora
Saneamento integrado
A abordagem que olha para o planejamento e gestão dos componentes do saneamento em conjunto não foi considerada na legislação, que foca principalmente em abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Controle social
Com a perda de importância das instâncias locais, dificuldade de representatividade regional e distância das instâncias de decisão e controle das realidades locais, o controle social ganhou novos desafios com a lei 14.026/020.
Adaptação climática
O saneamento é um setor estratégico para soluções robustas de adaptação e fortalecimento da resiliência das cidades. Há um desafio de universalizar o acesso à água e esgoto e ao mesmo tempo rever concepções, tendências e se integrar com a estratégia de adaptação das cidades.
Saneamento como direito humano
Água e saneamento são reconhecidos como direitos humanos pela ONU há mais de dez anos. O texto do Marco Legal não faz referência a essa ideia, ou seja, não compromete o setor com a garantia desses direitos. Em 2025, o Senado aprovou uma PEC que propõe sua incorporação na Constituição Federal.
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