Mobilização pelo saneamento remonta ao fim dos anos 1980; denúncia de morador está na origem da Ação Civil Pública que questionou negligência do estado
01 jul 2025

O Estado e o município do Rio de Janeiro foram obrigados na Justiça a implementar sistemas de drenagem de águas pluviais e saneamento básico na comunidade da Nova Holanda, uma das 16 favelas do Complexo da Maré.
As instâncias do poder público também devem pagar uma indenização de R$ 390 milhões pela degradação ambiental resultante da falta de estruturas de saneamento básico. O montante deve ser destinado ao Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam) e ao Fundo de Conservação Ambiental (FCA).
A decisão, proferida em 14 de março, é fruto de uma ação civil pública do Ministério Público com participação da organização comunitária Associação Redes de Desenvolvimento da Maré (que consta como Amicus Curiae no processo).
Segundo a 4ª Promotoria de Justiça de Meio Ambiente da cidade, responsável pela ação, a decisão pode ter impacto positivo direto na qualidade de vida dos 12 mil moradores da comunidade e, indiretamente, dos 124 mil habitantes da Maré.
Uma luta antiga
O site da Redes da Maré ressalta que a mobilização pelo saneamento remonta ao fim dos anos 1980, tempo em que moradores, sobretudo mulheres, “tinham que atravessar a Avenida Brasil para buscar água, e em outros momentos tiveram que se organizar para demandar do estado esse direito”.
O contexto da Ação Civil Pública, segundo a Redes da Maré, se origina de anos de descaso do poder público, que negligenciou a manutenção e o planejamento da infraestrutura que deveria garantir o direito ao saneamento, assim como não acompanhou o crescimento populacional do território.
Especificamente, a ACP foi resultado de uma denúncia anônima de um morador à Ouvidoria Geral do Ministério Público em 2012 sobre a situação dos serviços de saneamento na região da Nova Holanda.
O saneamento básico é reconhecido como direito humano pela ONU desde 2010. Em abril, o Senado aprovou a proposta de emenda à Constituição (PEC 2/2016), que reconhece o acesso ao saneamento básico como um direito constitucional.
A ação do MP ressaltou como a inexistência de saneamento básico no local deixava a comunidade mais vulnerável a eventos climáticos. Segundo o texto afirma que “a situação se agrava com a ocorrência de chuvas, quando a água que flui pelo canal transborda e atinge a via por onde se deslocam os moradores, causando erosão nas margens e risco aos transeuntes”.
A sentença evidencia assim a questão da injustiça climática, termo que se refere ao impacto desproporcional das mudanças climáticas em grupos populacionais mais vulneráveis, incluindo indígenas, comunidades de baixa renda, idosos, crianças e pessoas com deficiência.

O longo percurso da sentença
O caminho judicial da batalha pelo saneamento na Maré se iniciou em 2012, quando o MPRJ instaurou o Inquérito Civil n° 7.083 para investigar a denúncia de falta de estruturas de saneamento básico e drenagem de águas pluviais na Comunidade Nova Holanda.
Cinco anos e vários ofícios depois, nenhuma providência ou medida paliativa havia sido tomada pelo poder público em relação ao problema. Em dezembro de 2017, o MP entrou com a ACP considerando que estava “exposta a inércia em adotar medidas para solucionar ou mitigar os problemas” do Município do Rio de Janeiro, do Estado do Rio de Janeiro e dos órgãos responsáveis de ambos (Rio-Águas e Cedae – Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro).
Em sua argumentação, o MP citou o artigo 225 da Constituição que diz que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Em suas defesas, o município e a Rio-Águas optaram por culpar os moradores e a comunidade pela situação. Segundo elas, “a ação deveria almejar a condenação dos ocupantes a demolir as construções, a desfazer o parcelamento do solo e a reparar os danos que causam ao ambiente, à ordem urbanística e a economia da Cidade”.
Já a Cedae informou que “todos os logradouros da comunidade da Nova Holanda, nos limites assim entendidos pela Cedae, possuem redes de esgotamento sanitário (…) [que] funciona[m] de forma adequada”. O Estado, por sua vez, declarou que “os denunciantes reclamam dos eventos transbordantes sempre em dias de chuva. Isso ocorre em razão do lançamento indevido, pela população, de detritos nas galerias de águas pluviais, o que contribui decisivamente para o entupimento das mesmas”.
Na sentença, a juíza Mirella Letizia Guimaraes Vizzini lembrou que “o ente público não só pode, como deve ser responsabilizado pelos danos ambientais causados por terceiros, já que é seu dever controlar e impedir que aconteçam.”
Na decisão em favor da comunidade, a magistrada afirmou ainda que “soma-se a isso o elevado grau de exposição da saúde de um número indeterminado de pessoas, sem contar a depreciação da autoestima e da qualidade de vida, sobretudo dos moradores da Nova Holanda, ao longo de todo esse período de omissão. Esses fatores também são capazes de majorar o valor a ser arbitrado”.
A sentença citou princípios fundamentais para a prestação do saneamento básico, incluindo universalização do acesso, integralidade do saneamento e adequação dos serviços em relação à saúde pública, meio ambiente e conservação dos recursos naturais, conforme definidos pela revisão do Marco Legal de 2020 (Lei nº 14.026).
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