Perspectivas 2022: crise hídrica, normas de referência para o saneamento, regionalizações estaduais, gestão de recursos hídricos, eleições

Perspectivas 2022: crise hídrica, normas de referência para o saneamento, regionalizações estaduais, gestão de recursos hídricos, eleições
Perspectivas 2022: crise hídrica, normas de referência para o saneamento, regionalizações estaduais, gestão de recursos hídricos, eleições

Membros da sociedade civil e especialistas em recursos hídricos apontam caminhos e perspectivas para a agenda 2022 do esgotamento sanitário no Brasil

Parte da programação do Dia Mundial do Banheiro 2021, a mesa “Perspectivas 2022: crise hídrica, normas de referência para o saneamento, regionalizações estaduais, gestão de recursos hídricos, eleições” apontou temas centrais como os desafios da governança, em especial o papel da regulação e da agenda das normas de referência da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA). O debate evidenciou a necessidade de avançar no reconhecimento dos territórios e na atenção ao papel das agências reguladoras para o esgotamento sanitário no Brasil. O encontro online, realizado em 24 de novembro, teve mediação da diretora executiva do Instituto Água e Saneamento (IAS), Marussia Whately, e contou com a participação da diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro; Fátima Casarin, do comitê gestor do Observatório de Governança das Águas (OGA); Estela Alves, do grupo de pesquisa Privaqua, de Minas Gerais; Rubens Filho, gerente de relações internacionais e comunicação do Instituto Trata Brasil, e Luciana Travassos, docente da Universidade Federal do ABC (UFABC). 

Para iniciar a discussão,  Marussia Whately explicou os objetivos da mesa: “Essa mesa é muito importante, pois pretende apontar os caminhos para a agenda 2022 do esgotamento sanitário”. Lembrando o contexto de crise hídrica, a diretora do IAS pediu atenção aos pontos de mudança do novo Marco Legal do Saneamento e denunciou o desmantelamento da ANA, que tem o papel de emitir normas de referências para regulamentação dos estados e municípios. Na ocasião, participantes apontaram questões importantes para a agenda do saneamento em 2022 com apresentação de análises e perspectivas de políticas públicas de meio ambiente. 

A integrante do comitê gestor do Observatório de Governança das Águas (OGA), Fátima Casarin trouxe ao debate o papel da capacitação na construção da governança envolvendo as agências reguladoras e demais atores do saneamento e recursos hídricos. Casarin ainda apontou problemas do Rio de Janeiro com relação à Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico (Agernesa) e o seu aparelhamento, informando que foram delegadas pessoas sem capacitação para assumir a presidência da agência. “As pessoas qualificadas da Agenersa foram aposentadas por não encontrarem espaço. No lugar delas, foram nomeados delegados sem qualificação para a área! Uma agência reguladora deve ser uma proposta de Estado e não de governo,  porque fica muito fragilizada. Deve haver um acompanhamento permanente dessas agências. Para ser reguladora de serviço precisa ter um acompanhamento permanente e com pessoas capacitadas para tal e com o máximo de imparcialidade possível”. 

Durante a sua participação, Fátima denunciou a liberação de recurso em ano eleitoral e sem carimbo e apontou a necessidade de capacitação para jovens. “A juventude precisa ser preparada para o planejamento, participação e  controle social”. O OGA realiza trabalho de monitoramento da governança dos recursos hídricos e possui uma rede de 80 entidades, segundo Fátima Casarin. “O Observatório atua com indicadores e criou um protocolo de monitoramento, aderido por outros comitês na avaliação do andamento da governança, da efetividade da implementação dos instrumentos e dos aspectos institucionais.” 

Por sua vez, a diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, apontou a importância de valorizar a governança no Brasil. “Esse é um ponto principal para que a gente implemente os ODS [17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU], ressaltando a importância do ODS 5 [igualdade de gênero] para que a gente alcance o ODS 6 [acesso universal à água potável e ao saneamento]”. Malu Ribeiro criticou o Legislativo brasileiro na administração dos recursos: “somos reféns de um Congresso Nacional que rifa os nossos patrimônios, rifa a nossa educação, rifa a nossa sociedade!” Malu ressaltou que o desafio para alcançar a inclusão, a universalização do saneamento, vencer as desigualdades e demais mazelas do Brasil é renovar o Congresso Nacional e ampliar a  participação da sociedade na construção dos projetos de políticas públicas. 

Ressaltou, ainda, a urgente necessidade de integração das políticas públicas e a importância da aprovação do Projeto de Emenda Constitucional 6/21 que tramita na Câmara dos Deputados: “Não dá mais para tratar água em uma caixinha, saneamento em outra caixinha, biodiversidade, floresta, urbanismo. Temos as leis das águas no Brasil há quase duas décadas no esforço de implementar a tão sonhada gestão integrada, descentralizada e participativa da água.” Uma das causas da SOS Mata Atlântica é ‘água limpa para todos”. Por meio de campanhas e outras iniciativas, a Fundação monitora a qualidade da água e busca o fortalecimento de leis que protegem os rios. 

Fortalecer a regulação do saneamento básico daqui para frente em relação ao novo Marco Legal foi o item apontado como fundamental pelo gerente de Relações Internacionais e Comunicação do Instituto Trata Brasil, Rubens Filho. A regulação é item essencial e está prevista na Lei 11.445 desde 2007, mas pouca coisa foi feita nos municípios brasileiros, segundo Rubens Filho. “As agências reguladoras precisam ter atenção às questões tarifárias, ao monitoramento dos indicadores e das metas, caso contrário os contratos podem ser quebrados segundo o novo Marco Legal.” Dados do Trata Brasil dão conta de que “53% das agências reguladoras não possuem incentivos tarifários para a universalização do saneamento”. O Instituto Trata Brasil atua na atualização de informações sobre a universalização do saneamento básico no país. Em 2021, o Trata Brasil produziu quatro relatórios estaduais. Eles foram realizados no Acre, Rondônia, Maranhão e Santa Catarina. “São estudos minuciosos para entender deficiências desses estados e quais são os benefícios que podem receber. Os estudos podem ajudar a União e os estados a pensarem soluções”, ressaltou Rubens Filho. 

A pós-doutoranda do Privaqua, Estela Alves, trouxe o tema central do grupo de pesquisa do Instituto René Rachou integrado à Fiocruz de Minas Gerais. O grupo, dirigido pelo professor Léo Heller, um dos ex-relatores da ONU para o Direito Humano à Água e ao Saneamento entrevistados durante a programação do Dia Mundial do Banheiro 2021, analisa o impacto da privatização dos serviços de água e saneamento voltado aos direitos humanos. “Diante do cenário de entrada mais ampla de empresas privadas no setor de saneamento, é importante discutir a prestação privada dos serviços tendo em mente a questão de como a privatização dos serviços de esgotamento sanitário afetam e afetarão os direitos humanos à água e ao saneamento”, apontou Estela. O Privaqua está dividido em quatro temas: privatização do saneamento e seus impactos nos direitos humanos; mapeamento de prestação privada de água e esgoto no Brasil; a percepção de diferentes atores sociais sobre a privatização da Companhia Mineira de Saneamento (Copasa), de Minas Gerais, e a regionalização dos serviços de saneamento básico no Brasil.

Já a professora e representante da Universidade Federal do ABC nos comitês de bacia do Alto Tietê, Luciana Travassos, concordou e reforçou as colocações dos colegas, e chamou a atenção para a importância de discutir o território: “Como o território em suas desigualdades e diversidades entra nos processos de capacitação, governança, regulação e direitos humanos?” Luciana Travassos também atua com dinâmicas territoriais e políticas públicas de recursos hídricos. Durante o evento, a professora ressaltou a importância de pensar o território “do ponto de vista de suas dinâmicas, seus atores de políticas públicas, mas também como locais territoriais de políticas públicas.” 

Perspectivas 2022: marco hídrico, agenda política eleitoral e políticas públicas

A importância das bacias hidrográficas, o desmantelamento de agências reguladoras e os desafios para alcançar a universalização do saneamento também  foram temas pautados e discutidos com profundidade durante a mesa. Os participantes fizeram propostas para avançar de forma estratégica na integração de políticas públicas e demais questões que permeiam o acesso aos serviços essenciais. Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica, afirmou: “é necessário colocar a agenda da água e do saneamento de forma estratégica na agenda política eleitoral brasileira” Entre as sugestões feitas por Malu Ribeiro para a resolução dos problemas enfrentados por municípios brasileiros está a devolução das agências de bacias, e de águas, especialmente ANA, removida recentemente da gestão integrada pelo Ministério do Meio Ambiente: “foi um erro tirar essa gestão integradas dessas políticas públicas e tratar o saneamento como uma mera prestação de serviços. As políticas públicas devem ser inclusivas, participativas. Um marco regulatório tem que nascer da sociedade.” 

Malu trouxe, ainda, uma série de questões sobre a PEC que está em discussão na Câmara dos Deputados: “Nós temos hoje a Lei das Águas do Brasil, que é uma política de gestão de recursos hídricos, e que integra a governança da água. O Ministério de Desenvolvimento Regional implantou uma medida provisória que tirou da ANA e do IBAMA a capacidade de regrar e ordenar o uso da água nos reservatórios nessa crise hídrica, priorizando o setor elétrico. Priorizar um único setor é potencializar problemas”.

Luciana Travassos apontou a necessidade de olhar com sensibilidade para áreas vulneráveis como um todo, incluindo suas habitações e outros problemas enfrentados pela população em territórios, acelerando assim o saneamento básico. Há uma ausência de financiamento de assistência técnica em áreas rurais que terá um impacto expressivo nas estruturas familiares. “Importante ver o território sob o viés da justiça ambiental. A governança precisa trazer os processos participativos e saber o nível da participação da sociedade. A questão do reconhecimento dos processos de justiça, a exemplo dos povos originários, é importante saber as demandas das pessoas nesse processo”. 

Sobre a universalização do saneamento, Estela do Privaqua ressaltou que a revisão do Marco Legal não inclui zonas rurais nem tradicionais. “Temos questionado em nosso grupo de pesquisa, através de análise de alguns casos, se a privatização pode realmente garantir o cumprimento do direito humano à água e ao saneamento”, explicou. O direito humano pode ser cumprido de várias formas, mas a busca pelo equilíbrio financeiro das empresas pode levar ao negligenciamento de regiões que não são viáveis para a empresa. “O Estado é fundamental para os locais que não têm estrutura. A nova lei tira do município a possibilidade de acesso aos recursos.” 

Ou seja, alguns municípios podem ficar de fora no processo de regionalização, se estiverem enfraquecidos de acordo com a nova lei. “A universalização não será alcançada se for baseada nas empresas privadas, que se buscam locais que dão lucro. É um monopólio”, informou Estela ressaltando que a proposta do Privaqua para a agenda da universalização da água se dá no planejamento de avançar no acesso ao esgotamento para quem nunca teve e não ampliar onde já tem, mas para levar a quem nunca teve, por meio de soluções mistas, adaptadas a cada realidade, não pensando no lucro. Um termo que aparece muito no Marco Legal é “equilíbrio econômico financeiro das empresas”. 

Já Fátima Casarin apontou a precariedade dos bairros do Rio de Janeiro e afirmou que a regulação precisa ser realizada em conjunto entre empresa privada e iniciativa pública. “A gente não pode culpar a concessão privadas, pois há vantagens enormes, já que há uma burocracia enorme no serviço público, mas acredito que vamos precisar ainda de muito estudo para saber como resolver o saneamento.”

Por fim, trabalhar o diagnóstico de forma antecipada conhecendo cada região, inclusive comunidades rurais e tradicionais em seus detalhes, também foi um ponto em comum trazido pelos participantes do evento. “Infelizmente, o avanço do esgotamento sanitário no Brasil tem sido demandado apenas em situação de emergência.” frisou Luciana Travassos. “Saneamento é mais uma infraestrutura que não está chegando às pessoas. Não adianta brigar se é público ou privado se a gente olha pra trás e vê que as decisões judiciais foram tomadas de forma arbitrárias. Saneamento não se faz da noite para o dia. Nossas perspectivas para 2022 é de que qualquer tipo de habitação tenha acesso ao saneamento. A gente espera muito que as coisas aconteçam no próximo ano.”, disse Rubens Filho, do Trata Brasil, encerrando a mesa. 

Para saber mais detalhes da programação do Dia Mundial do Banheiro 2021 acesse o site diamundialdobanheiro.org.br.