Água e organizações comunitárias: experiências pelo mundo

Imagem da sala em que aconteceu o evento

Somente na América Latina, 80 milhões de pessoas têm acesso à água por meio de organizações comunitárias, sem contar as pessoas beneficiadas por esse tipo de arranjo no Brasil e no México, onde esses serviços não estão oficialmente contabilizados. No Paraguai, por exemplo, 50% dos serviços de água e saneamento são realizados por gestão comunitária. Para dar visibilidade a essas iniciativas e suas lideranças, a Fundación Avina, em parceria com Vozes Pela Ação Climática Justa, realizou, dia 23 de março, em Nova York, o encontro “Empoderamento comunitário para a implementação de soluções de água: conectando experiências para aproveitar o conhecimento tradicional e as iniciativas locais”, evento paralelo à Conferência sobre a Água da ONU

Segundo Telma Rocha, diretora programática da Avina, é preciso potencializar esses esforços comunitários, cujos resultados são muito palpáveis e podem se transformar em políticas públicas. “Sabemos que prover água e saneamento é responsabilidade dos governos, mas as comunidades não podem esperar a disponibilidade oficial, precisam encontrar soluções locais e comunitárias. Essas organizações já são parceiras do poder público em muitos lugares, trabalham com soluções adaptadas econômica e culturalmente aos seus territórios, mas às vezes ficam invisíveis ou são cobradas com padrões de grandes empresas”, disse.

Uma dessas experiências foi apresentada por Caetano Scannavino, do Projeto Saúde e Alegria, que atua na região do rio Tapajós, na Amazônia brasileira. “Estamos na maior bacia hidrográfica do mundo, mas a população ribeirinha vive em estresse hídrico e com problemas de saúde por água contaminada, sobretudo nas áreas impactadas pelo garimpo. São 7 milhões de toneladas de sedimentos despejadas nos rios por ano”, conta Caetano. 

O primeiro sistema de abastecimento de água potável comunitário instalado pelo projeto, em forma de mutirão, foi em 1995. Hoje, são mais de 300 quilômetros de rede de abastecimento, que atende mais de 20 mil pessoas em comunidades dispersas com aproximadamente 50 pessoas cada. “Os resultados são imediatos a partir da instalação, com impactos diretos na saúde e melhora no bem viver.  Mulheres e crianças não precisam mais buscar água a quilômetros com latas d´água”.

Representando o povo Munduruku, uma população de cerca de 14 mil pessoas, que vive em mais de 140 aldeias, na bacia do Tapajós, no Pará, Alessandra Munduruku, da Associação Indígena Pariri, contou como um corredor logístico projetado para escoar o agronegócio na região está sendo implantado sem que o direito constitucional de consulta prévia aos indígenas esteja sendo respeitado. “Uma grande porcentagem da nossa população está contaminada por mercúrio, muitos de nós têm sido ameaçados, mas continuamos sendo resistência. Água não é negócio, não é algo para ser privatizado, é vida”, lembrou a indígena, ela mesma uma das lideranças ameaçadas.

Alessandra Munduruku durante apresentação
Alessandra Munduruku durante apresentação no evento. Foto: Maura Campanilli

Ainda do Brasil, Carlos Magno, do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, uma das três mil organizações que integram a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), e que atuam em 10 estados brasileiros, mostrou como essa rede atende 23 milhões de pessoas na maior região semiárida do mundo. “A ASA foi criada em 1999 com a ideia de mudar a narrativa de pobreza endêmica na região. Desde então, mais de 1,2 milhão de cisternas foram implantadas em 90% desse território. Com elas, a água é captada nos três meses em que chove e atende as famílias durante todo o ano”. Segundo Carlos, a partir do projeto, essa tecnologia social, simples e prática, faz os recursos públicos chegarem na base. “Hoje, contamos com recursos públicos para as cisternas e outras atividades, como agroecologia. Os recursos da cooperação internacional são fundamentais para mostrar que existem soluções, mas sem políticas públicas, não há escala”.

Veja também: Entrevista em vídeo sobre a experiência em aldeias Munduruku

Problemas comuns a outros países

Refiana, da Federação das Mulheres da Indonésia, na Ásia, contou que as mudanças climáticas aumentaram o nível do mar na ilha Penjaringan em seu país, contaminando a água e dificultando seu acesso. “Trabalhamos para instalar banheiros públicos para a população, mas, a cada dia, o acesso à água é mais caro”, disse. Joseph Muturi, presidente de uma federação de organizações comunitárias que atua em sete países, principalmente no Quênia, na África, lembrou da dificuldade das populações periféricas das grandes cidades terem acesso a serviços básicos, inclusive água. “Em Nairóbi, capital do Quênia, moradores de áreas muito pobres chegam a pagar 100 vezes mais pela água do que os moradores de áreas nobres”, afirmou.

Mirta Paez, da Confederação Latino-americana das Organizações Comunitárias de Serviços de Água e Saneamento (CLOCSAS) no Paraguai, disse que os gestores comunitários fazem o papel que o governo não faz e que a capacitação das mulheres para esta função é o grande desafio, pois elas são as melhores gestoras para esses recursos. “Já capacitamos 350 mulheres graças ao apoio da ONU Mulher, das quais 50 se tornaram líderes que coordenam a CLOCSAS”.

Para Telma, diretora da Avina, as comunidades sabem do que precisam e podem participar das soluções, as quais necessitam ser adequadas para cada uma das populações. “As políticas de acesso à água e saneamento devem ter controle social e, para tanto, ser percebidas pela sociedade como um direito humano. A governança global pela água precisa ser democrática e atender à diversidade de vozes”.