Municípios e crise climática: como ficam água e saneamento
Pauta climática tem aparecido pouco na campanha eleitoral. IAS reuniu exemplos de respostas emergenciais dadas por municípios frente a eventos extremos
Publicado em 24 set 2024
Escrito por Equipe IAS
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A crise climática que castiga o Brasil atualmente joga luz sobre atribuições e responsabilidades dos municípios em diversos aspectos do saneamento básico.
Com as eleições municipais prestes a acontecerem, é fundamental que debates e campanhas priorizem essa pauta. É esse o foco da publicação “Municípios e Saneamento nas Eleições 2024”, lançada pelo IAS em agosto.
A nova realidade que se impõe exige que candidatos e ocupantes de cargos públicos entendam a importância da discussão e de um planejamento que considere as fontes de abastecimento de água, o caminho das águas de chuva, a qualidade dos rios e integre o saneamento com obras e ações de mitigação e adaptação aos efeitos do aquecimento global. É preciso também um olhar que entenda a forma desigual como a crise climática impacta populações vulneráveis.
A preparação das cidades para eventos climáticos extremos deveria estar no centro do debate das eleições municipais, mas não é o que temos visto até agora.
De forma consensual, a experiência mostra que lidar com a crise durante a crise é muito mais difícil do que promover ações de prevenção. Dados do estudo Our Impact, da UNDRR-ONU (Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres), mostram que a cada dólar investido em redução de riscos e prevenção 15 dólares são economizados em medidas de emergências, pós-desastre.
O IAS reuniu alguns exemplos recentes de respostas emergenciais dadas por municípios frente a eventos climáticos extremos.
Falta d’água e racionamento
No estado de São Paulo, diversos municípios adotaram o racionamento como modo de enfrentar a escassez no abastecimento de água devido à falta de chuvas prolongada.
Em maio, Bauru decretou estado de emergência devido a diminuição no volume do rio Batalha, que serve um quarto da população. O racionamento foi instaurado pela prefeitura de modo que o sistema de distribuição ligado ao rio funciona por 24 horas e depois fica 48 horas sem água. O DAE (Departamento de Água e Esgoto) da cidade avalia ampliar o período sem água para 72 horas se a situação piorar.
Por sua vez, Atibaia decretou emergência hídrica e adotou o rodízio para diferentes áreas da cidade, que receberão água em dias alternados. Lavar carros, calçadas ou regar jardins agora rende multa. Já São José do Rio Preto, onde não chove há quase seis meses, vem cogitando também implementar o rodízio.
O impacto do esgoto na água verde
Outro efeito da estiagem foi a coloração verde que assumiu o rio Pinheiros, na cidade de São Paulo, primeiro identificada em 9 de setembro. De acordo com a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), o período sem chuvas reduziu drasticamente o fluxo dos afluentes do rio, intensificando a concentração do esgoto. Com isso, aumentaram os nutrientes, em especial o fósforo, o que favorece a proliferação de algas.
No abastecimento de parte da cidade do Rio de Janeiro e outros municípios da baixada fluminense este fenômeno é frequente, com concentração de algas na Bacia do Rio Guandu, a poucos metros de onde é feita a captação da água (ano de 2020). Com efeitos de mau cheiro na água que chegava às torneiras.
Chuvas extremas e situações de risco
Em janeiro de 2023, fortes chuvas causaram ampla destruição em diversas comunidades do município de São Sebastião, causando a morte de 64 pessoas. A comunidade de Vila Sahy, no bairro de Barra do Sahy, foi especialmente afetada, com deslizamentos de terra e moradores desalojados. Perda das infraestruturas existentes de abastecimento de água e riscos à saúde pelo contato direto com os esgotos.
No fim de 2023, a prefeitura iniciou projetos de contenção de encostas, plantio de vegetação e drenagem urbana, em um investimento total de R$ 123 milhões. Além disso, a administração afirmou realizar todo mês ações de fiscalização via drone para evitar novas ocupações e construções.
Paradoxalmente, apenas dois dos cinco planos de governo dos candidatos à prefeitura de São Sebastião propõem a elaboração de um plano municipal de adaptação às mudanças climáticas, de acordo com apuração do site The Intercept. A falta de menção a esse tema também foi constatada em plataformas de candidatos de Bertioga, Guarujá, Caraguatatuba, Ubatuba e Ilhabela, todas cidades que tiveram decretada situação de calamidade pública na época.
Estiagem prolongada
Desde o início de junho, o estado do Amazonas vem passando por uma estiagem mais severa do que o normal. Começando quase um mês antes do período de costume, a seca tem deixado os rios mais baixos que a média para o período. Desde julho, um terço dos municípios amazonenses se encontra em estado de emergência. Falta de água potável e isolamento de cidades pelo baixo nível dos rios, além de vários impactos sociais e econômicos estão entre as consequências.
Entre eles está Manaus. Em 12 de setembro, a prefeitura da cidade estabeleceu estado de emergência de 180 dias devido aos efeitos climáticos. O decreto permite ações emergenciais no município, além de autorizar o aporte de recursos para atenuar efeitos sociais, econômicos e ambientais causados pela estiagem.
Em 18 de setembro, a prefeitura de Manaus interditou as águas da praia de Ponta Negra, banhada pelo Rio Negro. A medida é tomada sempre que a cota ficar abaixo de 16 metros e o Negro registrou 15,53 nessa data. Em 2023, a cota mínima foi atingida apenas em outubro.
Chuvas sem precedentes
Arrasada por chuvas e inundações no primeiro semestre, Porto Alegre se tornou um exemplo mundialmente famoso do impacto climático nas cidades. Com diversas áreas submersas por meses, Porto Alegre viveu as consequências ruins do despreparo diante de emergências, de um sistema de drenagem defeituoso à demora da Defesa Civil em reagir a alertas sobre as tempestades.
O pior já passou, mas os riscos continuam. Em 31 de agosto, a prefeitura apresentou o relatório preliminar do Plano de Ação Climática (Plac) com 30 ações estratégicas para mitigar o impacto do que identificou como as seis maiores ameaças climáticas à cidade: inundações, tempestades, deslizamentos/erosões, ondas de calor, secas e vetores de arboviroses (doenças virais).
Ao contrário do que se vê pelo Brasil, em Porto Alegre a pauta da adaptação e mitigação está no centro da disputa pela prefeitura dada a escala da tragédia na cidade. O sistema de proteção contra enchentes preocupa mais o eleitor do que temas como saúde e educação, segundo pesquisas locais. Sebastião Melo, prefeito atual da cidade que foi criticado por sua atuação durante a tragédia, aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto.
Agendas para as campanhas de candidatos a prefeito e vereador: saneamento básico e segurança hídrica.
Planejamento integrado
- Estruturar política municipal de saneamento básico, garantindo o cumprimento das metas do Marco Legal de atendimento de 99% da população com água potável e 90% de coleta e tratamento de esgoto até 2033.
- Elaborar e manter atualizado plano municipal do saneamento básico, integrando serviços de saneamento com as demais políticas municipais.
Proteção ao meio ambiente
- Proteger e revitalizar as nascentes, córregos e afluentes de rios que se encontram dentro do território municipal.
- Promover a revitalização e proteção de cursos d’água e nascentes.
Adaptação ao clima e preparação para situações de emergência
- Agir para mitigação e adaptação em relação à mudança climática.
- Instituir políticas municipais de Defesa Civil e garantir sistemas de alerta para prevenir a população.
- Instituir políticas municipais de segurança hídrica.
Instrumentos de transparência e participação social
- Instituir conselhos municipais de saneamento básico e garantir participação da sociedade nas decisões sobre saneamento básico.
- Implantar e manter atualizado o sistema municipal de acesso à informação e prestação de contas.