Decretos para o saneamento: os diferentes posicionamentos e análises de especialistas

decretos saneamento básico

O IAS selecionou alguns posicionamentos públicos sobre os recentes decretos para o saneamento que deixam clara disputas e a complexidade do setor

O saneamento básico é um setor complexo e muito marcado por divergências e conflitos de interesses. Com a mudança de governo, evidencia-se a disputa entre os diversos atores do setor, acrescida pelo embate político entre governo federal e Congresso, numa clara demonstração de força da Câmara ao derrubar parte dos decretos do Executivo que alterariam as regulamentações do Marco Legal do Saneamento. O tema tem ganhado bastante destaque na mídia e várias associações e especialistas se posicionaram publicamente. O IAS tem acompanhado de perto o que tem vindo a público, como os diferentes lados têm tratado as mudanças nos decretos e, nesse texto, busca demonstrar, por meio de uma pequena seleção, as diferentes visões sobre os decretos do Executivo.

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Concessionárias públicas e privadas

A Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon) publicou uma nota de posicionamento no portal de notícias Poder 360, no dia 11 de abril. 

Para a Associação, os novos decretos “preveem mecanismos que muito provavelmente podem retardar o alcance da universalização” do saneamento, como a regularização de contratos irregulares sem processo licitatório; flexibilização de mecanismos de comprovação da capacidade econômico-financeira e ausência de consequências concretas pela não comprovação. Essas, em especial, de acordo com a Associação, “enfraquecem o importante papel da comprovação e possibilitam que a população de algumas regiões seja atendida por operadores com baixa ou sem capacidade de alcançar a universalização”.

Ação no STF

Antes mesmo da publicação dos decretos, em janeiro deste ano, a Abcon acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre uma lei no estado da Paraíba que previa a prestação direta de serviços pela Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa) em microrregiões criadas após a Lei 14.026/2020. Após a ação da Associação, a assembleia estadual revogou os artigos que previam a prestação direta. Com isso, o Estado pediu a extinção do processo na Suprema Corte. 

Em texto publicado em seu site, a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) reforça seu posicionamento totalmente a favor dos decretos e relata seu papel como um dos articuladores, junto ao governo federal, das mudanças. Aponta, nele, que os novos decretos possibilitam o aceleramento de investimentos, com previsão de R$120 bi até 2033; mais de 30 milhões de pessoas desassistidas pela “legislação anterior” serão beneficiadas; remoção do limite de 25% para contratação de PPPs; não aumento de tarifas com outorgas nos leilões de concessões; garante a autonomia do poder concedente para decidir sobre a prestação dos serviços; aumenta o prazo para Estados concluírem as regionalizações sem perder recursos do governo federal; garantia de prestação direta em microrregiões, regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, entre outros.

Rompimento

O posicionamento da Associação, no entanto, resultou na desfiliação da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) e da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). 

Grande imprensa

Em editorial publicado em 7 de abril, o jornal O Estado de S. Paulo se posicionou de forma contundente contra os decretos. O título do texto, “Retrocesso inaceitável no saneamento”, deixa claro o entendimento do veículo de comunicação. 

Para o jornal, os novos decretos “abrem caminho para disputas judiciais e maior risco de problemas no atendimento a populações em regiões carentes de água e esgoto, além de desestimular investimentos”. 

Entre os pontos considerados problemáticos estão a permissão para que empresas estatais regularizem contratos considerados precários; e para que companhias estaduais prestem serviços em microrregiões por meio de autorização da entidade interfederativa do bloco regional, o que, de acordo com o veículo, fere a Constituição, por não exigir licitação.

O jornal argumenta que o setor privado tem demonstrado interesse em investir no setor, no entanto, as mudanças provocaram insegurança jurídica, afugentando essa participação. Além disso, as empresas estatais, no geral, investiram bem menos do que determinado pelo plano nacional de saneamento, o que comprovaria a sua “atuação medíocre”.

Em editorial publicado em 7 de abril, o jornal O Estado de S. Paulo se posicionou de forma contundente contra os decretos. O título do texto, “Retrocesso inaceitável no saneamento”, deixa claro o entendimento do veículo de comunicação. 

Para o jornal, os novos decretos “abrem caminho para disputas judiciais e maior risco de problemas no atendimento a populações em regiões carentes de água e esgoto, além de desestimular investimentos”. 

Entre os pontos considerados problemáticos estão a permissão para que empresas estatais regularizem contratos considerados precários; e para que companhias estaduais prestem serviços em microrregiões por meio de autorização da entidade interfederativa do bloco regional, o que, de acordo com o veículo, fere a Constituição, por não exigir licitação.

O jornal argumenta que o setor privado tem demonstrado interesse em investir no setor, no entanto, as mudanças provocaram insegurança jurídica, afugentando essa participação. Além disso, as empresas estatais, no geral, investiram bem menos do que determinado pelo plano nacional de saneamento, o que comprovaria a sua “atuação medíocre”.

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A opinião de especialistas

Em artigo de opinião publicado originalmente na Agência Infra e repostado pela Aesbe, o advogado e head de saneamento do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, Wladimir Antonio Ribeiro, aponta o que considera os pontos positivos e negativos dos novos decretos. 

Em “Os novos decretos do saneamento – É a vez dos engenheiros” relembra que o veto do então presidente, Jair Bolsonaro, ao artigo 16 rompeu com acordo entre lideranças parlamentares, governadores e entidades do setor. Para Ribeiro, os novos decretos “possuem o objetivo de trazer paz ao setor do saneamento, colocando um ponto final ao processo de debate e de estabelecimento de regras estruturais, para que as atenções se voltem ao que mais interessa: viabilizar projetos de investimentos e de melhoria das prestações de serviços”.

Entre as medidas destacadas como positivas, estão o desincentivo à outorga dos serviços por meio de pagamento de ônus; e a necessidade de harmonia entre a atividade do governo federal e as normas de referência editadas pela ANA. O ponto negativo refere-se às regionalizações: o § 15 do artigo 6º do Decreto 11.467/2023, que pode levar ao fim do mecanismo de subsídio cruzado e à inviabilidade de investimentos. 

Em artigo de opinião publicado no jornal Folha de S. Paulo à época da publicação dos decretos, os economistas de carreira do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Letícia Pimentel e Marcelo Miterhof, destacam quais as principais mudanças no setor, como estender prazos relativos a condicionantes para acesso a recursos da União; permitir que distintas formas de prestação dos serviços convivam, inclusive retirando o limite para PPPs (parcerias público-privadas); e abrir a possibilidade de as Companhias Estaduais de Saneamento Básico (Cesbs) regularizem contratos de programas estabelecidos sem licitação com municípios de sua área de atuação. Este ponto, em especial, foi entendido por alguns segmentos como forma de oferecer sobrevida indevida às Cesbs e desestimular o setor privado. Os especialistas defendem, no entanto, que a medida visou reforçar a segurança jurídica do setor, sobretudo para prestadores e municípios. Outras mudanças importantes preencheram o que os autores chamaram de vazios no texto legal. 

Para eles, é preciso capacitar as agências reguladoras subnacionais, tanto para fiscalizar e punir prestadores públicos que há décadas prestam serviços ruins quanto para garantir que as concessões feitas recentemente entreguem as metas contratadas. E, ainda, garantir saneamento em áreas rurais e em favelas, locais historicamente à margem desses direitos, a partir de novos projetos, sejam privados ou públicos. 

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