
Historicamente, investimentos no setor de saneamento se concentraram em centros urbanos, deixando populações rurais à margem.
Até 2033, 99% da população brasileira deverá ter acesso à água e 90% à coleta e tratamento de esgotamento sanitário. O prazo estabelecido pelo novo Marco Legal do Saneamento para o alcance da meta de universalização é um enorme desafio para garantir o acesso ao abastecimento adequado de água aos 86 milhões de brasileiros que ainda têm acesso precário à água, assim como garantir acesso ao esgotamento sanitário aos 107 milhões de pessoas que ainda não têm coleta e tratamento de esgoto adequado. Essas informações, publicadas no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), em 2017, levam em conta a infraestrutura de serviços implementada, considerando a qualidade das soluções empregadas e os aspectos socioeconômicos e culturais das populações atendidas. Criado em 2013 e publicado pela primeira vez em 2014, o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) consiste no planejamento integrado do saneamento básico considerando seus quatro componentes: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, coleta de lixo e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.
O acesso a saneamento básico é marcado por desigualdades: entre as regiões do país, entre estados de uma mesma região, entre municípios dentro de um mesmo estado, entre municípios pequenos e grandes municípios, entre ricos e pobres, entre brancos e negros, entre rural e urbano. A pesquisa Saneamento 2020: Passado, Presente e Possibilidades de Futuro para o Brasil, realizada pelo Instituto Água e Saneamento (IAS), traz um panorama da área rural e discute possibilidades para avançar nas políticas do saneamento e melhorar a distribuição dos serviços, visando alcançar a garantia dos direitos humanos, sobretudo, para quem sofre historicamente com a falta ou o acesso inadequado à água e ao esgotamento sanitário no Brasil rural.
A Assessora de Políticas Públicas e Planejamento Urbano do Instituto Água e Saneamento (IAS), Paula Pollini, explica que um dos desafios para a universalização do saneamento básico é a coleta e publicidade dos dados: “Indicadores de atendimento dos serviços de água e esgoto, principalmente aqueles baseados em dados das próprias prestadoras do serviço, e que são os mais recorrentes na imprensa, podem mascarar números e desigualdades, ao considerarem como atendida, por exemplo, uma área em que a rede passa próxima, mas que não há necessariamente a ligação da rede com as casas, especialmente em áreas de urbanizações precárias e irregulares. Ainda por não prestarem os serviços em áreas rurais, há uma total falta de dados sobre o acesso à água potável ou alguma solução de esgotamento e sobre a qualidade desse acesso para as pessoas e dos rejeitos para o meio ambiente.”
Um exemplo recente demonstra que ainda existem muitos “pontos cegos”, sem informação, em especial nos territórios onde residem populações vulneráveis. Pela primeira vez, o Censo Demográfico 2022 trará dados de 215 áreas quilombolas no Piauí, em 73 municípios do estado. O atendimento dos serviços de saneamento básico em localidades isoladas e de difícil acesso representa outro desafio para a universalização, uma vez que redes centralizadas de saneamento não atendem a todos, portanto, podem não ser a solução adequada. Além disso, a política para o desenvolvimento destes territórios é fragmentada e envolve baixos recursos públicos.
Entre 1940 e 2018, a população brasileira saltou de 41.236.315 milhões de habitantes para 208.494.900 milhões, segundo dados de Séries Históricas e Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE, 2020a). Nesse período, a população urbana que concentrava 31,24% da população passou para 84,36%, e a concentração da população rural reduziu de 68,76% para 15,64% do total da população do país, conforme é possível ver a representação nos infográficos a seguir.
Os dados demonstram que o acelerado processo de urbanização ocorreu em grande parte pela intensa migração da população rural para as zonas urbanas. O mapa abaixo mostra que 31.905.142 milhões de pessoas habitavam áreas rurais, em 2016, sendo que dois em cada três habitantes (19.807.150) estavam concentrados nas regiões Norte (4.686.854) e Nordeste (15.120.296), onde são registrados os piores índices de atendimento ao serviço de saneamento básico do país. A região Sudeste concentra o segundo maior número de habitantes da zona rural (6.046.752), seguida do Norte (4.686.854), Sul (4.333.165), e por último o Centro-Oeste, com 1.718.075 habitantes.
Oito em cada dez habitantes da zona rural não têm acesso adequado ao serviço de esgotamento sanitário
Historicamente, a população da área rural sofre pela precariedade dos serviços de tratamento de resíduos sólidos, a drenagem e manejo das águas pluviais, esgotamento sanitário e abastecimento de água em larga escala – que foi incorporado na metade no século XX ao setor de saneamento. De acordo com o Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR) de 2019, nas áreas rurais, 24 milhões (59,5%) de pessoas não possuem atendimento adequado a abastecimento de água, 22 milhões (79,42%) não contam com cobertura adequada de serviço de esgotamento sanitário e 30 milhões (76,6%) não têm acesso à coleta adequada de lixo. A falta de investimentos do setor de saneamento básico no território rural causa a falta ou a prestação inadequada do serviço, ocasionando a violação de direitos humanos e impactando na dignidade de comunidades historicamente invisibilizadas, como indígenas, ribeirinhos, quilombolas e camponeses.
Sobre o abastecimento de água potável, nas áreas urbanas, predomina o atendimento por rede com canalização interna ou na propriedade (mais de 90% dos domicílios) (Plansab, 2019), enquanto nos domicílios rurais a forma de atendimento mais utilizada é o poço ou nascente com canalização interna (43,1% desses domicílios em 2017). Dos domicílios rurais, 48,6%, em 2017, destinavam os esgotos sanitários para fossas rudimentares e 11,7% para valas, rios, lagos, mar ou outro destino, perfazendo um total de 5,4 milhões de domicílios sem solução adequada para o afastamento dos esgotos sanitários. Mesmo que nos últimos 20 anos o número de domicílios rurais com canalização de água dentro da casa e presença de banheiros tenha aumentado, os dados ainda expressam a precariedade do acesso ao saneamento, 39% dos domicílios rurais não possuem água encanada e 15% não possuem banheiro (PNSR, 2019).
Saneamento rural tem solução
Conhecer de perto a diversidade dos territórios rurais e dos modos de vida de sua população, esse é o primeiro passo para propor soluções na direção da universalização do acesso ao saneamento básico nessas áreas. Diante das especificidades locais, o saneamento básico no território rural deve ser planejado e implementado de forma direcionada – dificilmente uma rede centralizada de água e esgoto, que funciona para áreas urbanas adensadas, será a solução adequada para a ocupação na área rural, de menor adensamento e afastado das cidades. Por isso, é importante promover a geração de conhecimento, traduzido em dados, para essas áreas e, então, investir em planejamento e implementação de soluções adaptadas às necessidades locais. Neste contexto, é necessário promover a aproximação entre as comunidades rurais e os tomadores de decisão no campo do saneamento básico, buscando construir, de forma participativa, repertórios de soluções adaptadas e adequadas aos modos de vida.
É possível transformar a realidade do serviço de saneamento básico na área rural investindo em soluções adaptadas e de baixo custo, com tecnologias que facilitam a captação e aproveitamento da água pluvial e a implementação de sistemas de tratamento e reuso de esgoto. Um exemplo é o “Projeto cisternas e saneamento integrado em escolas do município de Barra”, no Oeste Baiano, que implementou 40 cisternas e oito sistemas de esgotamento sanitário em 40 escolas municipais da área rural do município, melhorando o dia a dia da escola e a qualidade de vida de cerca de 6.300 crianças em idade escolar.
Em novembro de 2021, o IAS realizou uma série de entrevistas sobre iniciativas inclusivas que promovem o acesso ao saneamento básico em territórios vulneráveis como ocupações urbanas precárias, áreas rurais, áreas isoladas e territórios tradicionais.
Faça o download da publicação “Saneamento 2020: Passado, Presente e Possibilidades de Futuro para o Brasil”, por meio deste link. O relatório traz uma análise e reflexões sobre a história do saneamento no país e aponta os principais desafios para avançar rumo à universalização, contribuindo na ampliação do acesso ao conhecimento.
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